O Esgotamento da Teoria do Germe e a Crise Cultural da Medicina Oficial
“Para cada problema complexo existe uma solução que é simples, direta, compreensível e errada.” HL Mencken (1880-1956)
“Os problemas significantes que temos não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento que os criou.” Albert Einstein (1879-1955)
Introdução
A teoria do germe – de Pasteur, Koch e Ehrlich – é o pilar central sobre o qual se construiu a doutrina médica oficial. Nas duas últimas décadas, no entanto, surgiram centenas de pesquisas no campo da simbiose humana, e não existe mais dúvida de que as bactérias, ao invés de produzirem doenças, são os principais responsáveis pelos sistemas de defesa humano.
As bactérias seriam parceiros simbiontes e não invasores, pois mesmo o parasitismo também faz parte da simbiose.
Esse conhecimento representa o avesso do pasteurismo/teoria do germe, uma teoria claramente anti-simbiose. Temos, agora, a oportunidade de recuperar o debate médico interrompido pelo sucesso da quimioterapia anti-infecciosa e pelo poder da indústria farmacêutica, que nasceu junto com a teoria do germe.
Está cada vez mais evidente que a medicina oficial não consegue dar conta do atual padrão de adoecimento humano. A medicina vive uma crise cognitiva, pois tem como foco a doença infecciosa aguda tal como pensada por Pasteur.
Entretanto, a realidade nosológica de hoje é a das doenças crônicas – doenças sistêmicas, com componente clínico evidente de desregulação primária, ou secundária do sistema de defesa.
O Nascimento da Medicina das Especificidades
A medicina oficial nasceu nos hospitais de Paris, graças à afirmação da teoria anatomoclínica. (Ackerknetch,1967; Foulcault, 1977)
Se a estudarmos será possível compreender o caráter lesional e localista dessa medicina e exercer uma crítica profunda sobre esse estilo de pensamento médico. Entretanto, essa não foi a teoria que teve impacto na prática médica, mas sim a teoria do germe de Pasteur, Koch e Ehrlich. (Canguilhem, 1981; Almeida, 2011)
Louis Pasteur (1822-1895), um químico, definiu praticamente todo o sistema de crença doutrinária da medicina oficial.
Robert Koch (1843-1910) e Paul Ehrlich (1854-1915), médicos, criaram as bases da terapêutica com substância química, dita específica.
Pasteur desenvolveu o conceito de germes patogênicos e não-patogênicos, filiou-se à teoria monomórfica na bacteriologia, ao fixismo bacteriano – à idéia de que a bactéria reproduziria uma descendência fixa, igual à mãe, semelhante ao que ocorre na mitose celular.
Pasteur estudou o metabolismo de alguns microrganismos (fungos), e constatou que determinado fungo fermentava a forma dextrógira e não fermentava a forma levógira de uma mesma solução. Concluiu, então, que o microrganismo tem uma ação tão específica que seria capaz de diferenciar entre duas soluções quimicamente idênticas, mas com estrutura molecular diferente (dissimetria óptica). (Canguilhem, 1981)
A tese da especificidade do microrganismo é a alma da teoria do germe e do pasteurismo. Segundo essa teoria, as bactérias patogênicas trazem em si o potencial de produzir uma doença – um agente específico invade o organismo e produz uma doença específica.
Por sua vez, Koch e seu discípulo Ehrlich seguiram na linha da especificidade, estudaram a afinidade dos germes pelos corantes, e logo chegaram à especificidade da substância química.
Desse modo, concluiu-se a equação fundamental da medicina oficial: germe específico – doença específica – substância química específica.
Mais importante do que conhecer essa equação é identificar o pensamento que a sustenta.
Pasteur sustentava a tese de que o tecido sadio seria igual a ambiente estéril. Segundo ele, a bactéria não tinha lugar no organismo saudável, e a doença seria provocada pela entrada de um germe patogênico no organismo.
Em consequência, repetiu aos quatro cantos, “a necessidade de se afirmar o poder humano para eliminar da face da terra todas as doenças causadas pelos micróbios”. (Pasteur, apud Eberhardt, 2009, p. 57)
Paul Ehrlich, por seu lado, perseguiu a “therapia sterilisans magna” – procurou sem trégua uma substância capaz de esterilizar os tecidos e o corpo humano, a fim de nos deixar livres dos micróbios.
H-G Eberhardt descreve com maestria a concepção de Ehrlich:
“Para Paul Ehrlich, que tinha profundos conhecimentos de química, era indiscutível que as substâncias reagiam “especificamente” na natureza animada e inanimada.
Do mesmo modo que, para formar moléculas, os átomos não se uniam senão a outros átomos específicos, também no organismo vivo as substâncias buscavam seu “parceiro de reação” específico.
Caso se encontrasse uma substância capaz de reagir “especificamente” com um agente patogênico, mas sem reagir no organismo humano, seria possível o almejado combate aos agentes patogênicos no corpo humano.
Ademais, exterminar aqueles que já tivessem invadido o organismo foi o sonho ao qual Paul Ehrlich dedicou toda a sua atividade de pesquisador. Sua grande meta: a therapia sterilisans magna”. (Eberhardt, 2009, p. 58)
O Pensamento Funcional Sucumbe Diante do Sucesso da Teoria do Germe
O sucesso das sulfas (corantes) e, depois, dos antibióticos, no tratamento das doenças infecciosas agudas reforçou enormemente a perspectiva da teoria do germe de Pasteur, Koch e Ehrlich tanto na medicina quanto na sociedade.
E deu a uma teoria ontológica – o mal vem de fora – uma embalagem científica.
A concepção ontológica na medicina, no entanto, sempre enfrentou resistências dentro da cultura médica ilustrada, se assim podemos chamá-la.
O episódio da ação de Hipócrates em relação à epilepsia é considerado, simbolicamente, o marco inicial de uma medicina racional, dita científica.
Hipócrates (sec. V a.C) se contrapôs à concepção ontológica da medicina dos templos, afirmou ser a epilepsia não uma possessão demoníaca – ontologia – e sim um problema na função do organismo (funcional). (Coulter, H, 1975).
Portanto, em quase toda a trajetória do pensamento médico desde o hipocratismo, passando por galenismo, vitalismo, neohipocratismo sempre houve a dominância das teorias e teses contrárias às concepções ontológicas.
Mas a medicina popular e muitos médicos sempre tiveram grande afinidade com as concepções ontológicas do adoecimento.
O pensamento funcional na medicina sofreu um revés que praticamente o extinguiu: a afirmação de uma tese ontológica e “científica” – a teoria do germe.
Entretanto, isso não se deu sem resistência, como se viu no famoso debate entre Claude Bernard (1812-1878; concepção de terreno/pensamento funcional) e Pasteur. (Coulter, H, 1988)
Outro campo de resistência veio com os pesquisadores do pleomorfismo (mudança de forma intra e trans espécies) na bacteriologia (Bechamps, Enderlein, Brehmer, e outros), muito pouco conhecido entre nós. (Schwerdtle, 1993)
Assim, no Século XIX, a teoria do germe estabeleceu na medicina um domínio quase exclusivo que atravessou todo o Século XX e ainda hoje perdura.
Em pleno Século XXI, não conseguimos notar qualquer movimento na medicina oficial na direção de uma visão funcional, que só ainda existe no campo das medicinas complementares.
Quimioterapia Específica e o Poder Farmacêutico
As palavras dos químicos franceses Laurent e Berthelot (Coulter, H, 1988), em 1860, soam como proféticas.
Segundo eles a química seria uma ciência criadora de seus próprios objetos, ou seja, seria capaz de mudar o curso normal da Natureza.
Ao fazer tal afirmação eles tinham em mente a forte tradição naturalista da medicina, pois a medicina sempre foi uma seguidora da natureza, da physis, e o médico um physico – um physician.
Laurent e Berthelot, no entanto, não tinham a noção do que viria a ser o poder da indústria química e do pensamento químico no Século XX – a hegemonia da química se deu em detrimento da vida.
Logo no seu nascimento (segunda metade do sec. XIX), a indústria química é desviada para a produção de armas de guerra, inclusive de destruição em massa (cloro, fluor, gás mostarda, gás sarin, etc).
E o cartel químico alemão IG Farben viabilizou a máquina de guerra alemã. Esse vício de nascença da química também contribuiu para a sua posição contrária à vida. (Borkin, 1978)
A forma intensiva de uso das substâncias químicas sintéticas pela medicina humana e pela medicina veterinária, o uso intensivo de pesticidas, agrotóxicos e adubos químicos – pela agronomia – têm a mesma filiação: o pasteurismo e a química específica.
Novamente H-G Eberhardt nos chama a atenção para a fragilidade da teoria da ação específica da quimioterapia:
“A idéia emprestada da química de uma reação absolutamente específica não se confirmou no sistema biológico. Todavia, é precisamente disso que o cérebro de pesquisador firmemente enraizado no Zeitgeist do pensamento mecanicista se recusa a aceitar.
Aqui nos defrontamos com um caso clássico de “negação” tal como o descreveu Eugen Gürster em seu livro Die Macht der Dummheit [O poder da estupidez].
Mas é difícil acusar de estúpido uma personalidade da estatura de Paul Ehrlich.
Na verdade, Günster descreve um tipo específico de insensatez à qual ninguém, nem mesmo os ditos “inteligentes”, é imune: “A estupidez das pessoas inteligentes e importantes só surge quando sua vontade se tornou burra. Uma vontade assim, apóia sua burrice no pensamento.” (Eberhardt, 2009, p.59)
O pasteurismo não ficou restrito à medicina, pois influenciou a cultura através das noções de higiene e determinou o pensamento na medicina animal e na agronomia.
Todos esses campos do conhecimento seguiram o pensamento pasteuriano, aderiram ao uso da química sintética, e enfraqueceram seus laços com as ciências da vida.
A aceitação – pela medicina humana, pela medicina animal e pela agronomia – da química sintética se deu em detrimento do saber e do vínculo com a vida.
A química sintética apropriou-se, também, do campo da higiene e desenvolveu suas fórmulas antigermes – quase todas composta de cloro e formol – e dezenas de outros produtos para “higiene do ambiente”.
Essa cultura levou ao consumo intensivo de produtos químicos que poluem o ambiente da casa. Uma pessoa da classe média, hoje, gasta com produtos químicos, tóxicos e sem qualquer serventia, quase a metade do que despende em supermercado. (Randolph, 1962)
Esses produtos participam na gênese das alergias, além de serem tóxicos para o indivíduo, inclusive neurotóxicos (formol, solventes).
É cada vez mais comum pessoas alérgicas/intoxicadas pelos produtos de limpeza e terpenos (perfumes, solventes, etc). Esses produtos em verdade sujam o ambiente, e produzem alergias/intoxicação; quanto mais limpo um ambiente – em termos pasteuriano – mais alergia.
Os países com maior incidência de alergias são os países desenvolvidos – a Inglaterra em primeiro lugar, e os países pobres têm índices muito menores de alergias.
E as alergias acontecem mais quanto mais o indivíduo se afasta do mundo simbionte dos microrganismos. (Graham, 2002, Huffnagle, 2008, Strachan, 1989)
Fragilidades da Teoria do Germe
Examinemos as bases científicas da teoria do germe. A concepção monomórfica e o fixismo do pasteurismo não têm condição de se sustentar, depois das descobertas da troca de material genético entre as bactérias.
Pois se existe troca de material genético, não existe fixismo e muito menos monomorfismo. E, se não existe monomorfismo a teoria do germe não se sustenta. Se a teoria do germe não se sustenta, a medicina oficial está construída sobre bases falsas.
A realidade já se havia encarregado de mostrar a fragilidade da teoria do germe.
Na época de Pasteur, as chamadas enterobactérias eram consideradas não-patogênicas.
Depois dos antibióticos, passaram à condição de principais bactérias patogênicas.
O pleomorfismo (mudança de forma de coco para bacilo e vice versa) de bactérias como a Corinumbacterium difteriae, e o próprio processo de atenuação do germe através de culturas sucessivas, já ameaçavam o monomorfismo.
As evidências científicas dos processos simbiontes que puderam criar, e mantêm a vida no planeta e nos organismos vivos multicelulares, e os conhecimentos oriundos da epigenética (modulação e expressão do gen por influências do meio) deveriam ser uma espécie de réquiem para o pasteurismo/teoria do germe. (Margulis, 1999, Rusch, 2006)
Pasteur não tinha assistentes, nem interlocutores, usava e abusava do seu prestigio.
Em 1887, o médico August Lataud, comentou: “Na França, a gente pode ser anarquista, comunista ou nihilista, mas jamais antipasteuriano”. (Geison, 1995)
Ainda hoje, ser antipasteuriano representa um grande risco cultural e institucional.
Apenas no final do Século XX, a família de Pasteur permitiu o acesso a suas anotações e a seus escritos “secretos”.
Gerald Geison – historiador da medicina, de Princeton – foi convidado a estudar o material, e divulgou seus estudos em 1995: “Uma conclusão é inevitável – Pasteur enganou o público deliberadamente com seus escritos, inclusive cientistas conhecidos que debatiam com ele…. Ocultou dados desfavoráveis e produziu outros tantos para contestar seus opositores. Em suma, cometeu uma série de fraudes científicas”. (Geison, 1995)
E outro historiador da medicina – Horace Judson – afirmou que a vacina anti-rábica de Pasteur causou raiva, ao invés de preveni-la. (Judson, 2004)
Vida é Simbiose
Embora o conceito de simbiose já existisse na época de Pasteur, não teve qualquer influência nas teorias médicas. Em 1879, o botânico alemão Anton de Bary (1835-1888) (apud Eberhardt, 2009, p.63) descreveu a lei natural da simbiose. Mas Göethe (1749-1832) já havia afirmado: “Nenhum ser vivo é unitário na natureza.
Cada ser é uma pluralidade. Mesmo os organismos que parecem para nós indivíduos, existem como uma coleção de entidades vivas, interdependentes”. (Goethe, apud Buhner, 2004, p. 46)
Só mais tarde Hans Peter Rusch (1906-1977) incorporou à medicina os preceitos da simbiose através do conceito de “germe benéfico”. (Rusch, 2006, p.3)
O respeitado médico e pesquisador da simbiose humana Volker Rusch neto de Hans Peter Rusch – é também enfático quanto a esse quadro de bloqueio cognitivo na medicina oficial em relação à simbiose: “A compreensão do homem segundo o modelo linear de pensamento, nos dias de hoje, deveria ser uma constatação que faria sentido apenas em termos da história da medicina.
Insistir nesse estilo de pensamento atualmente parece algo como quase infantil….O dogma “uma enfermidade – um medicamento”, ou no plano microbiológico “um patógeno – um antibiótico”, é um pensamento clássico, monocausal e linear, que à luz dos conhecimentos de hoje está completamente obsoleto”. (Rusch, 2006, p.30)
O pasteurismo não apenas nega a simbiose, mas vale-se de uma série de concepções completamente insustentáveis.
A noção de ser a doença uma entidade específica é uma das suas construções mais caras, expandiu-se para todo o universo nosológico da medicina oficial, e não se restringiu às doenças infecciosas.
Dar vida própria à doença é um dos delírios pasteurianos. A noção do organismo como sistema linear e fechado é outra concepção pasteuriana a sustentar o intervencionismo e a supressão dos sintomas, amplamente praticados pela medicina oficial.
Por último, a aplicação da teoria do germe para se compreender as doenças virais é outro nó a ser desatado.
A crítica ao pasteurismo soa para muitos como anacrônica, pois grande parte das chamadas conquistas da medicina contemporânea veio da matriz pasteuriana.
Os grandes heróis da terapêutica da medicina oficial são os quimioterápicos, antibióticos e as vacinas. Mas se as teses pasteurianas não têm mais sustentação científica suas terapêuticas são também equivocadas?
As substâncias químicas oriundas da teoria do germe mostraram eficácia incontestável nas infecções bacterianas agudas e em várias outras doenças infectoparasitárias, embora, o pano de fundo da grande maioria dessas enfermidades seja desnutrição, stress ambiental, etc.
Poderíamos dizer que a prática, ou a intervenção, num determinado problema complexo daria conta de certos aspectos do problema. No entanto, quanto mais parcial uma intervenção, quanto mais simplificadora ou reducionista, maior a possibilidade de agredir a realidade complexa do problema, e, a médio e longo prazo, levar a conseqüências danosas.
Penso existirem indícios suficientes para considerar a terapêutica com quimioterápicos, antibióticos, e também a vacinação, como intervenções parciais e reducionistas, com grandes possibilidades de efeitos negativos.
Sabemos que o organismo humano, que todo ser vivo, é um sistema complexo, não-linear e aberto, um sistema com alta capacidade de adaptação e compensação.
O organismo humano quase sempre consegue uma adaptação inicial a qualquer tipo de sobrecarga, mesmo aquelas que agridem as bases de seu funcionamento.
Assim, as manifestações de dificuldades funcionais só aparecerão bem mais adiante, quando os recursos adaptativos se tornarem mais escassos.
Um segundo equívoco da teoria do germe é admitir que as manifestações clínicas de um processo infeccioso resultam da ação do germe e não do processo de mobilização do sistema de defesa.
Essa crença incute na mente do médico a noção de que sem o antibiótico o organismo seria incompetente para enfrentar a “agressão” do germe.
Assim, todos os sinais de mobilização e de competência do sistema de defesa do indivíduo são vistos como evidências da ação incontrolável do germe (o combate à febre é um exemplo claro dessa concepção).
A dominância de um determinado paradigma ofusca completamente a complexidade, impede a compreensão desse problema, cria um bloqueio cognitivo.
Sabemos que as pessoas entram em contato com o bacilo da tuberculose, e que cerca de 99,9% têm resposta imune eficiente e o adoecimento não se manifesta, que apenas uma minoria apresenta a doença manifesta, e que, na maioria dos casos, vários fatores, além do contato, contribuem para a doença se manifestar (desnutrição, alcoolismo, estilo de vida, doença correlata, etc).
Na cultura dominada pelo pausteurismo, no entanto, a droga assume o primeiro plano e não a competência do sistema de defesa humano, que deu conta de 99,9% do “problema”.
Como o mostramos anteriormente, Pasteur e seus seguidores consideravam que tecido sadio era sinônimo de tecido estéril.
Embora logo depois Metchnikoff (1845-1916) tenha falado das bactérias intestinais, isso em nada abalou o pensamento pasteuriano.
Entretanto, nos últimos vinte anos, o acúmulo de evidências e a significativa produção científica nos tem esclarecido sobre o espetacular processo de simbiose no organismo multicelular. (Rusch, 2006, 30; Huffnagle, 2008a e 2008b)
Assim, não se tem mais qualquer dúvida de que os dois principais sistemas de defesa do organismo humano são dependentes das bactérias.
O sistema de defesa inato/celular (oxiredução) é exercido pela bactéria simbionte intracelular – a mitocôndria; o sistema de defesa adquirido, ou sistema imune das mucosas, é absolutamente dependente da flora intestinal.
Como podemos ainda praticar uma medicina cujo pilar fundamental é uma teoria que nega a simbiose?
No início da bacteriologia, as bactérias más eram chamadas “patógenos obrigatórios” ou “naturais”, como a Salmonela typhi, Vibrium cholerae, Yersinia pestis, Micobacterium tuberculose, etc, que Pasteur e Koch estudaram.
Mas, a partir do pós-guerra, os chamados “patógenos facultativos” iniciaram sua marcha, e hoje já ultrapassam, de longe, no adoecimento humano, os patógenos obrigatórios. (Rusch, 2006)
Esse “fato novo” não consegue ser explicado pelo pasteurismo/teoria do germe.
É um equívoco pensar que o processo de patogenicidade das bactérias, antes não-patogênicas, se deve à seleção provocada pelos antibióticos, que matariam as bactérias boas e deixariam as más, pois as pesquisas epigenéticas mostram claramente que as bactérias mudam seus programas e sua expressão genética, quando expostas aos antibióticos e às mudanças no meio. (Rusch, 2006)
A discussão se as bactérias são amigas ou inimigas traz em si o viés do pensamento linear. As bactérias podem ser amigas ou inimigas, pois são as complexas circunstâncias microecológicas (terreno) que definem esse fato, e não o conceito pasteuriano de germe patogênico (apriorismo teleológico).
Desafios na Construção de uma Nova Doutrina
O grande desafio para a medicina atual está justamente na superação da teoria do germe. Para tal, deve incorporar a complexidade dos processos simbiônticos no organismo humano, e nos demais sistemas vivos.
O pasteurismo buscou explicar as doenças produzidas pelos patógenos obrigatórios. Nesse campo obteve “vitórias imediatas” inquestionáveis.
Mas a intervenção pasteuriana (um saber parcial) iria mais adiante produzir a sua sombra – as doenças crônicas marcadas pelos processos de desregulação do sistema de defesa.
Isso pode ser claramente observado no quadro abaixo que retrata a mudança no padrão de adoecimento humano desde Pasteur.
Note-se a passagem das doenças agudas para as doenças crônicas, em cujo pano de fundo estão a alteração da simbiose e a desregulação do sistema imune.
Nesse quadro poderíamos incluir ainda a obesidade, o diabetes tipo 2, em que a disfunção mitocondrial tem sido cada vez mais responsabilizada, e também os processos inflamatórios crônicos, onde a alteração da microbiota intestinal tem forte influência.
Quadro 1: Mudança do padrão de adoecimento humano desde a afirmação da teoria do germe (Pirosfski, L, Casadevall, A., 2008b, p.138, modificado pelo autor)
Novas luzes devem ser lançadas para iluminarmos a área de sombra originada pelo reducionismo do pensamento pasteuriano. A doença infecciosa existe, mas não como uma invasão do germe patogênico.
O que sabemos hoje sobre o papel das bactérias no sistema de defesa humano, deve oferecer à medicina uma nova compreensão clínica do adoecimento. Segundo essa linha de raciocínio, a tese de que o adoecimento se dá em virtude da ruptura de relações simbiontes é o principal ponto de partida.
Isso levou G Huffnagle a afirmar: “Está claro atualmente que o trabalho número um do sistema imune não é combater germes, mas permitir que nós coexistamos com eles”. (Huffnagle, 2008a, p.17)
A alteração estrutural e funcional dos simbiontes intracelulares (mitocôndrias) e a consequente alteração respiratória/produção de energia celular, é outra tese em destaque na busca de se entender as doenças crônicas, a imunodeficiência celular e o câncer. (Seyfried, 2012)
Segundo o que já sabemos hoje sobre os sistemas de defesa dependente das bactérias no organismo humano, podemos inferir sobre os riscos da terapêutica com antibióticos e quimioterápicos – potentes agressores da mitocôndria e da microbiota intestinal.
Conclusões
A doutrina médica centrada no agente patógeno (teoria do germe específico), e sua terapêutica no combate tóxico do agente (antibiose), trouxe um risco sem precedentes para o processo de simbiose que mantém a vida e a saúde.
É urgente a necessidade de superarmos os limites do pensamento pasteuriano, para a medicina poder dar conta do padrão de adoecimento atual.
Superar não é deixar para trás tudo que se acumulou, e sim ter consciência do bloqueio cognitivo de que estamos dependentes.
A sombra do pasteurismo deve ser iluminada com o conhecimento da complexidade do organismo e, em particular, dos sistemas simbiontes, e bacterianos, de defesa, do organismo.
Basta examinar o perfil de adoecimento atual para percebermos que o mecanicismo monocausal do pasteurismo, orientado para compreensão das doenças agudas (Século XIX), não consegue mais entender a nosologia atual.
Temos razões para acreditar que o padrão de adoecimento, hoje, é em grande medida conseqüência da ação da medicina pasteuriana e da sua terapêutica com química sintética, que desestabilizam as relações simbiônticas no organismo.
A visão mecanicista de causa e efeito imediatos impede a medicina oficial de admitir as consequências a longo prazo, das suas ações de bloqueio.
Essa visão compromete, sobretudo, a microecologia intestinal (antibióticos, terapias supressivas), leva a stress do sistema imune intestinal (vacinas, alimentação, drogas), stress oxidativo e bloqueio da mitocôndria, devidos à toxicidade do ambiente, e ao uso de drogas lícitas e ilícitas, etc.
A medicina centrada na doença não consegue valorizar o maravilhoso sistema de defesa do organismo humano, trata-o como incapaz e vulnerável, volta-se para a doença específica, dá as costas ao organismo, não compreende e não identifica as causas do adoecimento.
E ao não as identificar fica na superfície dos sintomas e constrói o cenário de idiopatia que domina a cena médica oficial.
O pasteurismo é muito mais que uma teoria médica, pois tornou-se a ideologia dominante do pensamento médico, levou a cultura médica a privilegiar a doença e a desconsiderar o organismo.
A cultura de morte (cultura da doença) estimula o medo e retira dos indivíduos a fé, a confiança no poder ilimitado de cura do organismo, instrumentos fundamentais de uma medicina centrada na vida.
Não será fácil a cultura médica e a cultura geral superarem esse estilo de pensamento, mas temos hoje, a possibilidade de resgatar a tradição vitalista da medicina.
O vitalismo médico do Século XXI já está sendo desenhado pela articulação entre as medicinas vitalistas tradicionais e o significativo acervo das “ciências da complexidade”, que aceitaram o desafio de conhecer a vida.
Assim, pouco a pouco liberamo-nos do mecanicismo e incorporamos os vários saberes filiados ao campo do paradigma energético. Esse é o desafio para uma medicina que se propõe a dar suporte à vida.
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