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Ética e Bondade no Ato Terapêutico

Artigo de autoria de Neuci Cunha Gonçalves (neucigoncalves@gmail.com), Homeopata, Nutrologista, presidente da Associação Brasileira de Medicina Integral. Este artigo foi publicado no Boletim “Medicina”do Conselho Federal de Medicina, Novembro-2009.

 Como terapeuta o médico não é apenas um técnico cujas ações interferem no organismo de seus pacientes.

O êxito terapêutico não depende somente do embasamento científico da terapia e da formação técnica do médico; fatores diversos, alguns deles imponderáveis, exercem grande influência no processo de cura.

Ante tal constatação, o que deve balizar a conduta terapêutica é primordialmente a eficácia dos resultados, muito mais que a cientificidade dos métodos terapêuticos empregados. Tal cientificidade é, tão somente, um ideal a ser perseguido por razões puramente acadêmicas, já que a conduta médica dita científica não garante a cura. 

É o que podemos concluir ao lermos, no artigo de Moriguchi e Costa Vieira (Medicina, Conselho Federal, março/99, p. 19), a citação dos dados de Duncan e Schmidt em trabalho sobre medicina baseada em evidências.

Segundo estes autores, somente 50% da prática médica está calcada em avaliações metodológicas sistematizadas e, destas, somente a metade demonstrou ser efetiva.

Ora, se as práticas médicas cientificamente embasadas só são eficazes em 50% dos casos, podemos inferir que os pressupostos científicos desse embasamento estão errados ou foram mal compreendidos e indevidamente utilizados. 

A prática médica, mais do que científica, tem que ser ética. Somente a ética, alicerçada na bondade, poderá tornar o ato médico um ato de altruismo e permitir que a cura e o bem-estar do paciente sejam sempre o objetivo maior da prática médica.

Tem razão Dantas ao afirmar que “o amor ao próximo é diretriz essencial para o exercício da medicina” (Medicina Conselho Federal – Março/99 – p. 9).

É sempre importante lembrar as palavras sábias de Miguel Couto: “Se toda a medicina não está na bondade, menos vale dela separada”.

A terapêutica jamais poderá se divorciar de alguns princípios basilares. Em primeiro lugar não podemos esquecer o aforisma hipocrático primum non nocere e, com o mesmo grau de importância, não podemos perder de vista a noção de que o organismo humano é muito mais que a soma de suas partes.

A prática médica seria mais eficaz se a medicina assumisse uma visão corticovisceral, integradora e biocibernética do funcionamento do organismo, tanto na fisiologia quanto na patologia. Infelizmente a tendência hoje dominante é a do pensamento linear-causal, o qual, por sua vez, levou ao reducionismo mecanicista que determina toda a prática médica dita oficial.

 

Max Delbrück, ao estudar a reprodução de vírus, percebeu que ao chegar ao nível do ADN, e ao decompô-lo , a vida desaparecia. Para onde ela foi? Esse paradoxo pode ser expresso da seguinte forma: como é que a mesma matéria que a física estuda, quando incorporada por um organismo vivo, passa a se comportar de uma maneira que não contradiz as leis da física, mas que tão pouco é conseqüência delas?

Até hoje a ciência médica e a biologia foram incapazes de resolver o paradoxo de Delbrück. As leis da física não são contrariadas pelos fenômenos biológicos, entretanto a vida não pode ser explicada por elas.

 Por outro lado, como as leis biológicas não derivam das leis físicas, biólogos e físicos continuam sem saber o que é realmente a vida e o que a mantém.

A biologia molecular permitiu grandes progressos na compreensão de muitos fatos, mas está longe de explicar a vida e de propiciar a solução para a imensa maioria dos problemas médicos.

Parece-nos que biólogos e médicos, por sua visão materialista, mecanicista e reducionista, encaram a vida como conseqüência da estrutura anatômica e dos constituintes químicos dos organismos.

Se isso fosse verdadeiro, seria possível criar um ser vivo em laboratório a partir de seus constituintes químicos.

Ora, se a vida só pode ser gerada por outra vida, por que a medicina e, em especial, a terapêutica desprezaram o vitalismo e as pesquisas científicas afins como os campos de vida de Burr, o organizador de Spemann, o bioplasma dos russos e os biofótons de Popp?

As terapias calcadas numa visão mais abrangente e não-materialista do homem tendem a ser eficazes justamente por agirem na parte dinâmica do organismo e não, apenas, em suas estruturas anatômicas e constituintes químicos.

A homeopatia e a acupuntura, terapias vitalistas e seculares, já provaram na prática sua eficácia clínica.

Estranhamos, por isso, que alguns médicos, mesmo investidos de competência e títulos acadêmicos, cheguem ao absurdo de propor a proscrição desses métodos terapêuticos do meio médico.

Tal conduta caracteriza um grande preconceito nascido de posições dogmáticas e de um pensamento ortodoxo impermeável às ondas renovadoras das visões mais abrangentes, sempre sintetizantes e integradoras.

A ciência não caminharia se todos os seus cientistas assumissem atitudes desse tipo! Todos os grandes passos da ciência foram dados por pessoas que enxergaram além do paradigma vigente à sua época.

É preciso lembrar e refletir sobre as seguintes palavras de Thomas S. Kuhn: “A ciência normal frequentemente suprime novidades fundamentais porque elas são necessariamente subversivas de suas lealdades básicas” (A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 67).

A física teórica postula que 99,998% dos componentes do universo são energéticos. Somente os insignificantes dois milésimos por cento (0,002%) restantes constituem a parte material do universo, a qual, por sua vez, é constituída por energia condensada.

É estranho que os materialistas ainda teimem em sê-lo diante da quase total imaterialidade do universo! Como não pode haver materialismo sem matéria, é preciso que os materialistas criem uma nova palavra para designar sua postura.

Em termos termodinâmicos, o organismo é um sistema aberto (sistema fluente de Bertalanffy) que troca energia com o seu entorno e tende a conservar seu balanço de fluxo.

A vida e, principalmente, a saúde dependem do equilíbrio entre a entropia e a entalpia desse sistema.

O anabolismo (entalpia/ordem/ganho de energia) e o catabolismo (entropia/caos/perda de energia) constituem os exemplos mais loquazes desse grande jogo energético.

A vida constitui uma sinergia entre ordem e caos, entre matéria e energia e já é tempo de a medicina se libertar das representações mecanicistas da física linear do passado.

Os físicos modernos já consideram mais as complexas interações entre estruturas materiais e processos de informação e de regulação, ambos imateriais.

O pensamento linear-causal já foi superado na física, entretanto na medicina continuam imperando o princípio dose-efeito, a patologia de Virchow e o pasteurismo, isto é, uma linearidade puramente material e que não admite relativizações da relação causa-efeito.

A medicina precisa dar um salto quântico para ser mais eficaz e eliminar a iatrogenia consequente do reducionismo cartesiano dominante.

Para isso há que se conhecer o “jogo das moléculas” de Eigen, as “estruturas dissipativas” de Prigogine, a “termodinâmica das células” de Trincher, a “teoria das fases” de Reckeweg e vários outros conceitos e teorias que serviriam para alargar o entendimento do homem e suas interações com o meio, quer na saúde quer na doença.

 

O homem, como parte do universo, é também constituído por energias diversas que se manifestam e interagem com seu corpo, o qual é também energia, só que condensada, isto é, num estado vibratório diferente, de menor freqüência.

E muitas das inadequadamente chamadas terapias alternativas atuam justamente no nível energético do homem.

Com isso elas conseguem levar o organismo a um novo estado energético que permite a volta ao equilíbrio dinâmico conhecido como homeostase.

A teoria do caos, que estremeceu as bases da física mecanicista linear, representa o fim do determinismo de Laplace. A regra dose-efeito da farmacologia é um princípio determinista que não respeita o não-determinismo da vida.

O conjunto dos conhecimentos da física moderna tornou inevitável uma reorientação da biologia e da medicina. A separação radical entre as realidades materiais e não-materiais (ou entre o corporal e o espiritual), postulada por Descartes e elevada à categoria de dogma, não pode mais se sustentar sob os postulados da física atual.

Por isso, os seguidores de Newton e Descartes estão condenados a um vazio epistemológico. Vazio esse a que a medicina se autocondenará se não tiver a abertura e a sensibilidade para entender que as terapias alternativas se baseiam, quase sempre, em conceitos mais abrangentes e consentâneos com o entendimento que a ciência tem hoje do universo.

Elogiamos a atitude democrática do CFM ao aceitar críticas às suas resoluções e publicar a opinião dos médicos discordantes das idéias e conceitos expostos nesses dispositivos. A simples proibição das práticas não-convencionais no seio da medicina oficial, como determina a Resolução CFM Nº 1.499/98, é insuficiente para impedir que médicos capacitados, bem intencionados e de conduta ética e altruísta venham a lançar mão desses recursos terapêuticos quando o arsenal clássico se esgotar ou se mostrar ineficaz.

Neste caso a conduta é defensável e deve ser aceita como ética porque visa defender os interesses do paciente e estes devem estar acima dos interesses acadêmicos da classe científica.

Não aceitar as terapias alternativas ou tentar eliminá-las, por não compreendê-las, é postergar o avanço da medicina numa direção mais natural e que poderá se mostrar mais eficaz e menos iatrogênica.

Desprezar um caminho que parece melhor para os doentes é uma atitude que muitos interpretarão como antiética e desumana. E isso porque o bem-estar dos doentes deve estar sempre acima da vaidade, dos preconceitos e das discussões científicas calcadas em estéreis posições ortodoxas, sectárias e arraigadamente defendidas como inabaláveis, como se a ciência fosse algo plenamente acabado e definitivo.

No atual ciclo histórico há que se construir um novo paradigma.

Segundo Milton Greco (Interdisciplinaridade e Revolução do Cérebro, p. 71), ele deverá ser um paradigma-instrumento, ser coerente com esse ciclo histórico e estar baseado no pensamento complexo próprio dessa chamada “Era da Incerteza”.

Entre muitas outras coisas, nos diz Greco (op. cit. p. 72): “o paradigma-instrumento conterá sistemas que assimilem o conflito, a entropia, o probabilismo, a limitação do saber, o movimento e o processo transformativo como fontes heurísticas de impermanência e propiciadoras da atitude cibernética do feedback redirecionador”.

A interdisciplinaridade, como expressão metodológica do pensamento complexo, será a conseqüência lógica, no campo do sistema educacional, desse paradigma-instrumento tão claramente explicado por Greco (op. cit. p. 71/75).

Afirma Greco que tal paradigma-instrumento “é mais instrumento do que paradigma”. Ele é “instrumento de reconstrução humana no nível do complexo, do histórico, do holístico e da aventura do incerto”. O “instrumento do inacabado e talvez do inacabável”.

Cada médico há que fazer uma constante autocrítica de sua prática terapêutica para que, conscientemente, possa abraçar as teorias e os métodos emergentes que surgem da recente revolução cerebral que está sendo o germe de um novo paradigma.

Tais mudanças, de início puramente teóricas e conceituais, denotam claramente uma próxima e grande mudança paradigmática, cuja ocorrência já se tornou irreversível.

A condição sine qua non para a aceitação de novos métodos terapêuticos é que eles sejam coerentes com as novas visões, sejam eficazes e não-iatrogênicos.

E não nos esqueçamos nunca que a premissa maior para que a prática médica seja de boa qualidade é que o ato terapêutico esteja, antes e acima de tudo, alicerçado na ética e na bondade.

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